9.5.07

Libération: Sarkozy, uma reedição de Margaret Thatcher?


Por Laurent Joffrin, editorial do Libération*
A temporada das cerejas vai voltar, sim... Mas primeiro a emoção, a tristeza diante da derrota. A decepção é grande, depois de tanto fervor, tanta paixão, tanta esperança na renovação. A França fez uma escolha nítida.


Na forma, nada a objetar. A campanha foi digna, apaixonada, cívica no mais alto grau. Nicolas Sarkozy é um presidente legítimo, escolhido sem truques nem hesitação. A outra França buscará uma compensação nas eleições legislativas (em junho). Enquanto aguarda, com o coração cerrado, contempla a derrota e apesar de tudo tem esperanças.

A direita, legitimamente, exulta. Por fim suas verdadeiras idéias estão no poder, não as de (Jacques) Chirac, esse espertinho, que trapaceava sem parar e enganava a todos. Sarkozy será um perigo para a República? É uma questão de intenção. Podemos achar chocante o programa do novo presidente. Mas Nicolas Sarkozy tem o direito de aplicá-lo como o deseja a França da norma dominante do liberalismo conservador. Ele deve a vitória à sua provocadora franqueza, a essa idéia de ruptura que deu esperança a 53% dos eleitores de que achará métodos enérgicos para sair do marasmo das duas últimas décadas. É duro, mas conforme a vontade do povo. Uma Margaret Thatcher sem saias? Vamos nos preparar...

Haverá quem aponte os erros da candidata. As facas estão desembainhadas, como a brandida por Dominique Strauss-Kahn (ex-ministro do PS, que favou em "gravíssima derrota"). Erros, houve. Nós os apontamnos a cada ocasião. Um começo de campanha hesitante, agravada por algumas gafes menores, mas que alimentaram um processo por incompetência movido contra Ségolène Royal no próprio seio do PS. Logo a candidata, designada em grande parte porque as pesquisas a colocavam à frente de Sarkozy, viu-se atrás dele, condenada a persegui-lo, no momento em que seu adversário dava o toque de atacar. O fim de campanha foi melhor e o resultado no primeiro turno muito bom, embora insuficiente para vencer o segundo. A abertura para o centro estava contida na aritmética do 22 de abril (data do primeiro turno). Ela foi jogada com decisão. Mas o centro não se moveu.

Veio o debate (na TV, em 2 de maio), que os comentaristas, a começar pelo autor destas linhas, julgaram favorável a ela. DXe fato, a mudança brutal de postura, uma Ségolène de repente agrassiva, sem dúvida inquietou os hesitantes, tanto mais que no dia seguinte ficou claro que as ofensivas mais espetaculares se apoiavam em dados incertos. Otimista na derrota, Ségolène Royal prossegue. Boa sorte...

Um revés assim interpela a esquerda inteira. A imobilidade doutrinária do PS, produzida por suas divisões de ambição, chumbou antecipadamente a eleição. Houve a recusa de se tirar uma lição clara dessa Berezina do 21 de abril de 2002 (a Batalha de Berezina, fragorosa derrota de Napoleão face aos russos, em 1812, serve aqui de metáfora para o primeiro turno presidencial de cinco anos atrás, que levou para o segundo turno o direitista Chirac e o ultradireitista Jean-Marie Le Pen). Houve a ilusão de que o simplkes jogo das alternâncias bastaria para garantir a vitória. Insensibilidade para as novas relações de uma França transformada por sua própria crise e pela mundialização. Houve negligência em relação ao centro, pouca reflexão sobre novas políticas sociais e econômicas necessárias neste início de século. Houve pouca abertura para as inovações do alteromundismo, do qual era preciso tomar o melhor, e suicídio da esquerda radical por estilhaçamento.

Enquanto isso, Nicolas Sarkozy, a quem não falta inteligência política, trabalhava em profundidade o seu eleitorado, aclimatando sem descanso os princípios liberais no regaço de uma direita até então jacobina.

A esquerda precisa agora organizar sua refundação. O revés deve despertar nela as forças da imaginação e da modernização, aquelas que aliam audácia e realismo. Libération, de sua parte, começa esse trabalho desde hoje. Os valores da competição venceram. Mas os valores da solidariedade e da justiça perduram. Sobre estes fundamentos é possível construir. A temporada das cerejas vai voltar, sim. Por enquanto, é a temporada das sementes. Coragem.


* Fonte: http://www.liberation.fr; o diário francês apoiou oficialmente Ségolène no segundo turno.